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Como são os xamãs modernos

No coração das cidades, os xamãs resguardam uma filosofia de vida nascida nas sociedades primitivas e buscam integrar o homem à natureza.

Por Texto Keila Bis | Design Roberta Jordá | Fotos Alexandre Rezende
Atualizado em 29 ago 2018, 11h48 - Publicado em 26 out 2012, 19h27
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“Xamã? Em pleno século 21? Você deve estar de brincadeira.” Foi essa a reação que o designer gráfico Bruno Miranda teve quando sua melhor amiga, a arquiteta Paula Magalhães, lhe contou que há oito meses passava por um tratamento terapêutico com o líder espiritual e sua vida tinha mudado totalmente – para melhor. “Os medos e as inseguranças, pessoais e profissionais, diminuíram muito. Estou mais confiante nos meus sonhos, assumi uma postura positiva no cotidiano”, conta ela. Não se sabe ao certo quando essa filosofia de vida surgiu – para o filósofo romeno Mircea Eliade (1907-1986), especialista em história das religiões, data do período Paleolítico, ainda na Pré-História –, mas ela sempre fez parte da cultura de tribos indígenas de várias partes do mundo, como Austrália, África, Amazônia, Sibéria e Mongólia. “O xamanismo pode ser considerado a forma mais antiga de expressão da espiritualidade, antecedendo as religiões e os cultos organizados. Aparece em um momento que o homem começa a acreditar que existe algo a mais do que o mundo concreto e sente na natureza uma força maior de comunhão. Não é, portanto, uma religião – tampouco uma seita. E não tem deuses estabelecidos”, afirma o xamã Alexandre Meireles, que chega a atender 80 pessoas por mês, num amplo e confortável espaço na zona sul de São Paulo.

 

Nas sociedades primitivas, xamã era a pessoa que tinha dons para curar, aconselhar, resolver problemas, enfim, um líder espiritual. “Ao mesmo tempo, intervinha nas ações rotineiras, auxiliava a caça, promovia a educação artística e estimulava o autoconhecimento de cada uma das pessoas da tribo”, revela o paulistano Felipe Rosa, xamã há 13 anos. Médicos, jornalistas e advogados estão entre os clientes que o procuram. Na década de 60, o xamanismo despontou na cultura ocidental moderna, principalmente quando o livro A Erva do Diabo, do antropólogo peruano Carlos Castañeda (1925- 1998), foi publicado. Ele narra a experiência do autor com os rituais de índios do México que utilizavam alucinógenos, preparados de plantas, para provocar estados alterados de consciência e, dessa forma, se conectar com o inconsciente – guardião perene das respostas para os problemas humanos. Outros pesquisadores, como o antropólogo americano Michel Harner, que se aventurou na floresta Amazônica para entender a cultura dos índios jivaros, trouxeram a essência da prática para a vida urbana. “Nas sessões realizadas nas cidades, os alucinógenos foram abandonados. Em troca, usamos o som do tambor, já empregado pelas comunidades arcaicas como o instrumento de passagem da realidade comum, em que vivemos, para o mundo xamânico”, explica Carminha Levy, introdutora do neoxamanismo (xamanismo urbano) no Brasil e autora de diversos livros sobre o assunto no país e no exterior.

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Por mundo xamânico entenda-se uma forma de consciência diferente da realidade concreta inerente a todos. Quando a pessoa alcança esse nível – algo que pode ser comparado ao estado de meditação –, entra em perfeita conexão e harmonia consigo mesma. É nesse mergulho que se cresce espiritualmente ou, quando necessário, se resgata uma alma doente e se restitui a saúde. No fundo, independentemente do nome que se dê, trata-se do encontro da essência de cada um, que, muitas vezes, fica perdida devido às preocupações e ao estresse da vida urbana.

 

As batidas do tambor conduzem essa viagem rumo ao centro de si mesmo. Segundo o pesquisador americano Andrews Neher, estudioso das ondas cerebrais, o ritmo repetitivo produz modificações no sistema nervoso central que levam a uma espécie de transe. A tese é comprovada no livro Xamanismo: A Ecologia Neural de Consciência e Cura, do doutor Michael Winkelman, do Departamento de Antropologia da Universidade do Arizona. “O cérebro e a serotonina são estimulados por práticas xamânicas, o que ajuda as pessoas a estabelecerem contato com suas forças intuitivas aumentando, dessa forma, o poder pessoal de seus adeptos”, afirma Andrew. O teólogo Leonardo Boff, que escreveu o prefácio de O Xamã, o Físico e o Místico (Record, 2002), do físico quântico J. Drouot, também acredita que existe uma dimensão xamânica escondida em cada um. “Precisamos liberá-la para entrarmos em sintonia com tudo o que nos cerca”, diz ele em texto publicado no seu blog.

 

Essa interligação de tudo e de todos é uma das chaves para a paz interior defendida pelo xamanismo. “O homem e a natureza comungam de uma mesma origem. Podemos acessála por meio da expansão de nossa consciência, que nos possibilita compreender mais sobre nós mesmos e o mundo”, explica Alexandre. Felipe acrescenta que as práticas até podem ser empreendidas de formas diversas, mas a essência é a mesma: “O que une todos os xamãs é o fato de eles perceberem que somos o Universo. As pedras, os animais, as plantas e tudo que foi criado é parte do que somos”.

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Na prática, as sessões podem acontecer em grupo ou individualmente. Com a vibração sonora, as pessoas são induzidas já da primeira vez a encontrar o chamado animal de poder, com o qual se empreende a busca pelo autoconhecimento. Visualizações e outras experiências surgem nessa viagem, que depois é interpretada pelo xamã. “Na minha primeira experiência, entrei em estado de êxtase com o som do tambor e de repente comecei a me ver anos atrás, na escola, tímida, sofrendo o preconceito dos colegas por ser gorda. Na sequência, me vi abraçando aquela jovem, aceitando-a daquela forma. Ao retornar da viagem, senti um bem-estar enorme que me acompanha até hoje. E a timidez nunca mais apareceu”, conta a advogada Liliana Soares. É esse resgate do poder pessoal um dos pontos fortes do xamanismo. “Vamos nos fragmentando com os traumas e as experiências negativas pelos quais passamos ao longo da vida, e com isso o poder pessoal vai embora”, diz Carminha. Recuperá- lo nos devolve a capacidade de estar na vida de um modo mais maduro, como aconteceu com a estudante de design Juliana Melchioretto: “Deixei a posição de vítima e comecei a cuidar melhor de mim a partir do momento que consegui perdoar uma série de mágoas que carregava”, conta.

 

Para o xamã Alexandre Meireles, a origem das doenças está nas confusões advindas de emoções e pensamentos. “O primeiro passo para a cura, portanto, em qualquer nível, é entender a raiz dessa desordem, e o xamanismo propicia isso à medida que potencializa nossas percepções”, diz. O vendedor e consultor em autopeças Richardson Guerreiro descreve essa experiência ao passar por duas cirurgias para a retirada de um câncer de pâncreas. Sempre aliando o tratamento a sessões xamânicas. “Elas me ajudaram muito. Para mim, a doença estava relacionada a mágoa, rancor e ódio. Encontrando essa causa, me sentia capaz de potencializar a força das cirurgias”, avalia ele, hoje curado.

 

As práticas xamânicas têm sido usadas como terapia complementar inclusive em clínicas médicas. A nefrologista Tânia Helena Álvares, por exemplo, proprietária do Instituto Ajnar, em Uberlândia, MG, trabalha na formação dos profissionais da saúde com o objetivo de reunir várias disciplinas do conhecimento científico espiritual voltados para a cura e o desenvolvimento integral do ser humano. “O xamanismo é uma das disciplinas e quis integrá-lo ao curso porque eu mesma percebi sua força ao passar por alguns rituais”, diz. Técnico em dependência química, o empresário Luiz Antonio da Fonseca Neto também passou a utilizar as práticas em sua clínica para reabilitação de pacientes dependentes de álcool e drogas: “Como me fortaleci com as viagens xamânicas, resolvendo questões emocionais e mentais importantes, escolhi trazer esse benefício para a clínica”, conta. “Os internos viviam nervosos devido às crises de abstinência. Hoje, estão mais calmos. Além disso, o índice de recuperação aumentou, e as curas são mais rápidas”, revela. É assim que o xamanismo se expande no meio urbano, como ferramenta terapêutica no tratamento das dores físicas, mentais e emocionais.

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O tigre e os animais que nos protegem

 

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Nas viagens xamânicas, as pessoas são incentivadas a descobrir os seus animais de proteção, pois acredita-se que eles são provedores de sabedorias e características importantes na grande travessia da vida. O tigre, por exemplo, é símbolo de aproximação paciente, preparação cuidadosa e senso de oportunidade, particularidades que o indivíduo possuidor do animal tem, deverá conquistar ou despertar. Basicamente, são quatro os tipos de animal a serem descobertos no decorrer das sessões. O primeiro é o animal de poder, que reflete as forças instintivas e o ego de cada um. O de cura simboliza o conjunto de emoções, como o fato de alguém ser uma pessoa mais colérica ou mais passiva. O de sabedoria envolve a capacidade de entender os acontecimentos da vida e representa a visão das coisas. E o animal sagrado retrata a verdadeira missão que cada um tem nesta vida. Manifestação das nossas forças interiores esses animais funcionam como mentores e nos guiam na jornada diária.

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