Continua após publicidade

Viagem: Tailândia e as mulheres girafa

Povo de costumes exóticos e vida dura, lutando para viver em paz. Conheça a tribo Padaung, originária de Mianmar

Por Texto: Aline Stürmer | Fotos: Renan Rosa | Direção de arte: Camilla Frisoni Sola | Design: Luciana Giammarino
Atualizado em 21 dez 2016, 01h00 - Publicado em 14 Maio 2012, 18h25
01-viagem-tailandia-e-as-mulheres-girafa

Ao entrar na pequena vila de Tha Ton, próxima à cidade de Chiang Mai, avistei a primeira Karen. Ela caminhava lentamente e com elegância pela ruela de chão batido em direção a sua casa feita de bambu. Uma mola metálica enrolada no pescoço reluzia e destacava-se ao sol. A moça faz parte do grupo das Kayan Lahwi conhecidas como Karen, Padaung, Padong ou ainda “mulheres-girafa”. Essas figuras curiosas são, na realidade, uma minoria étnica de origem tibeto-birmanesa — um dos 135 grupos presentes em Mianmar — que se refugiou no norte tailandês em busca de uma vida melhor. Há séculos suas famosas mulheres chamam atenção pelo uso de pesadas argolas. Largas e flexíveis, elas são ajustadas, muitas vezes, quando ainda crianças. Delicadas, essas mulheres de corpo franzino são cobertas por batas brancas e têm a cabeça ornamentada com tecidos coloridos. Para esse grupo, o centro da alma é o pescoço, responsável por proteger os habitantes, e a identidade da tribo. Questionadas sobre a razão para o uso dos anéis, as padaungs de Tha Ton explicam que as argolas simbolizariam proteção contra as mordidas de tigres que rondavam as matas, e também garantiria a permanência dos valores culturais da tribo. Seu uso também estaria relacionado a uma maior atratividade, por criar semelhanças entre a figura feminina e o dragão, principal ícone do folclore Kayan.

02-viagem-tailandia-e-as-mulheres-girafa

O dia a dia da da Vila de Tha Ton

Continua após a publicidade

A vila de Tha Ton é cercada de matas e riachos onde elefantes passeiam à vontade. Ao entardecer, a chuva abençoa a terra em que as padaungs cultivam os vegetais, base alimentar juntamente com o arroz e o frango. Nas casas de um único cômodo, um forno é improvisado no chão para o preparo do loan pra, um refogado feito de abóbora com mamão, e do la bê, espécie de pirão feito de farinha de milho. No terraço das casas, artesanato feito de madeira, metal, argolas e mantas são expostos aos visitantes – é o comércio desses produtos que garante a subsistência das padaungs. Do artesanato de cachecóis, feitos em tear com algodão, sobrevive a belíssima Maô, de 22 anos. A moça refugiou-se na Tailândia com dois irmãos e duas irmãs, enquanto seus pais permaneceram em Mianmar. Hoje, ela está casada com um criador de elefantes e espera o primeiro filho. Como ela, as mulheres padaungs são mães muito jovens, sendo bem comum ver em uma vila de 50 moradores, três ou quatro jovens recém-casadas e grávidas. Num ritual reservado, no porão de sua casa, Mani se preparava para a troca de suas argolas, que deixaria visível as marcas em seu pescoço afinado pelo metal. Assim como as outras mulheres-girafa, Mani teve seus anéis colocados com apenas 5 anos de idade. No decorrer dos anos, eles são substituídos proporcionalmente por colares maiores. Essas peças contêm de 5 a 25 aros, cada qual com 8,5 milímetros de diâmetro. No caso das mulheres mais experientes, as peças podem pesar até 10 quilos. Com mais de uma década de uso contínuo, os anéis tornaram-se parte do corpo de Mani, que teve sua clavícula empurrada para baixo, comprimindo a caixa torácica. Máli, de 35 anos, arrisca sonoridades tribais em um violão artesanal de quatro cordas no terraço ao lado, que conta com apenas uma cadeira de madeira, uma rede e um pôster do cultuado rei tailandês Bhumibol Adulyadej. O mais antigo monarca ainda no poder é reverenciado pela população tailandesa e pelas minorias étnicas presentes no norte do país, pela criação de cerca de 3.000 projetos de desenvolvimento social, ainda insuficientes para solucionar problemas elementares da vida desses grupos minoritários.

03-viagem-tailandia-e-as-mulheres-girafa

A celebração de um novo ano

Continua após a publicidade

A religião das mulheres-girafa, conhecida como Kan Khwan, reúne influências do budismo tailandês e de práticas animistas ancestrais que consideram sagrados o cosmo, a natureza e todos os seres vivos. O festival de Kay Htein Bo ocorre anualmente, em abril, na província de Mae Hong Son, antes do início da estação chuvosa (que perdura na região, do mês de maio até outubro). Nessa ocasião, seu deus criador é celebrado e oferendas são feitas aos espíritos para que tenham uma colheita abundante e boa saúde durante todo o ano. É essa a oportunidade para conferir a unificação de diferentes vilas da tribo padaung, das crianças às anciãs, que recebem timidamente seus visitantes. Durante o festival, uma sequência de adivinhações é feita utilizando ossos de galinhas, a fim de prever todo o ano que se segue.

04-viagem-tailandia-e-as-mulheres-girafa

Como é a vida em Ban Nai Soi

Continua após a publicidade

 

Depois de alguns dias em Tha Ton, seguimos para a vila de Ban Nai Soi, a maior comunidade padaung do país. As estradas adentram áreas quase intocadas, e o trecho é percorrido mais facilmente com o uso de motocicleta. Pina, que mora na região desde 1991, demorou cerca de dois meses para cruzar a fronteira entre Mianmar e a Tailândia. Ela me ensinou alguns cumprimentos essenciais, como tereâbanê (olá), tebuí (obrigada) e traibaná (adeus). Antiga professora em seu país natal, Pina não aderiu ao uso dos anéis. Atualmente, trabalha na clínica comunitária local e é a intérprete para os visitantes estrangeiros. Questionada sobre sua vida no país, Pina sorri e responde timidamente: “Melhor do que em Mianmar”. A escola de Ban Nai Soi ensina às crianças a língua tailandesa, birmanesa e kareni, o dialeto tribal. Apesar de as vilas não serem consideradas campos de refugiados, elas foram criadas única e exclusivamente como área para permanência dos membros da tribo que buscaram refúgio em solo tailandês. Suas mulheres nunca podem deslocar-se além desse território demarcado. A 20 minutos de Ban Nai Soi, fica o principal campo de refugiados birmaneses que migraram para a Tailândia, reunindo diversos grupos étnicos de Mianmar incluindo membros padaungs, e que subsistem com a ajuda das Nações Unidas (ONU). Com a expectativa de o povo padaung se integrar à sociedade tailandesa, tem-se tornado crescente o abandono de suas tradições como acontece com muitas minorias ao redor do planeta. Basta acompanharmos a história de Mupli, de 23 anos, que vive em Ban Nai Soi há 15 anos. Ela ensina o idioma inglês e ciências no campo de refugiados, e decidiu abandonar o uso das argolas, pelo desconforto e pela possibilidade de estudar em outros lugares, sem sofrer preconceito. Mupli explica que até os 16 anos, os jovens estudam na escola da vila, quando então prosseguem para a escola do campo de refugiados, que recebe respaldo da Agência para Refugiados da ONU (Acnur). Alguns membros da tribo expressam a preferência em voltar para Mianmar a fim de se juntar à família, assim que a democracia chegar ao país; no entanto, estas não dispõem de condições financeiras suficientes para o retorno, apenas para a sobrevivência, com simplicidade. Muitas jovens padaungs anseiam obter no futuro a nacionalidade tailandesa, o que lhes garantiria o direito de voto, de mobilidade geográfica e o uso de sua própria terra. Suas tradições parecem dissolver-se paulatinamente ao longo das gerações, mas, enquanto isso não acontece, elas sobrevivem dentro do imenso caleidoscópio da diversidade cultural e humana.

05-viagem-tailandia-e-as-mulheres-girafa

Da opressão à migração

 

Esse não é um momento isolado na trajetória dessa tribo. No decorrer de sua história, o povo padaung foi oprimido pelos sucessivos regimes ditatoriais que dominaram sua terra natal. No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, com os conflitos entre a população e o regime militar de Mianmar, parte dos membros dessa comunidade que habitava o Estado de Kayah, fugiu para a zona fronteiriça da Tailândia. O reassentamento forçado, a falta de representação política, entre outras violações dos direitos humanos têm justificado a onda de migrações da etnia para a Tailândia, onde, porém, ainda vive sem autonomia e em condições socialmente incertas. O censo realizado em 2009 estimou que ainda existem cerca de 130.000 membros do grupo, dos quais cerca de 600 residem em três aldeias situadas ao norte do território tailandês. Apesar de o governo local ter concedido a eles a condição de refugiados, a situação não é das melhores: eles podem habitar apenas áreas determinadas pelas autoridades e não conseguem obter a cidadania do país.

Continua após a publicidade
06-viagem-tailandia-e-as-mulheres-girafa

Como chegar

 

Voos partindo de São Paulo para Bangcoc pela TAM, KLM e Air France, com conexão em Chiang Mai e Chiang Rai no extremo norte tailandês pela Thai Airways ou AirAsia. De Chiang Mai, Mae Hong Son e Chiang Rai, a forma mais independente e prática de adentrar o interior das áreas em que residem as padaungs é alugando uma motocicleta ou agendando tours com agências e hotéis locais.

07-viagem-tailandia-e-as-mulheres-girafa

 

Publicidade