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Plágio no design: precisamos falar sobre o assunto

Criadores lutam para produzir móveis em um planeta inundado por produtos piratas

Por Por Nilbberth Silva
Atualizado em 19 jan 2017, 14h13 - Publicado em 15 Maio 2015, 20h49
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O designer Sergio Matos conta o milagre, mas não o santo. Recebeu fotos de um restaurante com pufes quase idênticos ao seu Carambola. Na mesma semana, descobriu que uma fábrica italiana produzia uma mesa quase idêntica à sua Galho.

Matos se revoltou. Para criar e divulgar o Carambola, havia desembolsado cerca de R$ 25 mil, entre material, protótipos, fotografias e textos publicitários. Seu lançamento ocorreu durante o Salão do Móvel de Milão, na Itália. E uma rede de artesãos fabrica a peça, que tem estrutura de aço e acabamento de fios de algodão. Foram dois anos de trabalho que resultaram no reconhecimento do consumidor e prêmios como o alemão IF Design Award. “Quando as coisas começam a acontecer, surgem cópias”, comenta, desapontado.

O profissional de Campina Grande (PB) não é o único a sofrer prejuízo. Cerca de 40% dos consumidores brasileiros compraram produtos piratas em 2012. Os dados são da Federação do Comércio do Rio de Janeiro em pesquisa feita com 1000 pessoas em 70 cidades. E as contrafações, nome dados a produtos copiados sem licença, respondem por 2% de todo o comércio internacional, segundo dados de 2007 da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que agrega 34 países.

O mercado de design para decoração sofre as consequências. Um exemplo: somente a fábrica Objekto tem licença para produzir a poltrona Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha. A versão de couro sai por R$ 4490,00 mais o frete na Futton Company. Mas quem quiser um “genérico” pode encomendar no site de comércio AliBaba.com. As peças são enviadas pelo correio por fábricas como Yiren, Quality India e Shenzhen Megasun. A última vende a poltrona por US$ 225 (cerca de R$ 680).

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No portifólio das empresas, Mendes da Rocha divide espaço com outros nomes consagrados do mobiliário do século 20: Le Corbusier, Ray e Charles Eames, Hans Wegner, Verner Panton. Esses designers são os favoritos por criarem peças de formas marcantes feitas com materiais abundantes, como tubos metálicos, compensado ou plástico.

Campeões da cópia

O indesejado título de designer mais copiado do Brasil vai para um profissional famoso pelo formato complexo que conferia à madeira e ao couro. Trata-se do carioca Sergio Rodrigues, autor da poltrona Mole. Se quiser adquirir o clássico, você pode escolher entre as peças da LinBrasil, única fábrica autorizada a produzir os móveis de Sergio, ou cópias de empresas como China Best ou Nasida Furniture.

A dona da LinBrasil, Gisele Schwartsburd, também descobriu réplicas das poltronas Oscar no Brasil, e da Diz, nos Estados Unidos. “Causa prejuízo para a imagem do Sergio. Os seus móveis parecem simples, mas são muito trabalhosos para fabricar”. Gisele chama de “monstrinhos” as peças produzidas pelos copiadores. Segundo ela, costuras rompem facilmente, tintas desbotam, formas causam desconforto.

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Vera Beatriz Rodrigues, administradora do estúdio e viúva do designer, explica que Sergio foi plagiado desde sua primeira obra, o banquinho Mocho. “É um roubo horroroso: da sua criatividade, trabalho, talento”.

O próprio Sergio afirmou em entrevistas que pelo menos 13 fábricas na Itália copiaram a Mole em 1963, dois anos depois do lançamento internacional. E lembra uma história. Depois de uma palestra, um fabricante brasileiro de móveis o cumprimentou afetuosamente.

– Eu queria agradecer: paguei a faculdade dos meus filhos com sua poltrona Mole.

Sergiu riu.

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Stefano Giovannoni não acha tanta graça. O designer italiano considera sua banqueta de bar Bombo o produto de design mais pirateado do mundo. Aliás, você leitor, sem saber, já deve ter acomodado o traseiro com gosto em uma versão clandestina. Trata-se daquele móvel com assento plástico meio cônico equilibrado sobre uma base de aço inoxidável, com um pistão de ar que regula sua altura.

“Na China, existem mais de 1000 companhias copiando a Bombo”, contou Giovanoni na conferência Design Indaba 2015, na Cidade do Cabo “As cópias custam cerca de 30 euros, enquanto as originais [produzidas pela fábrica italiana Magis], 365 euros. As vendas têm crescido e crescido por 10 anos. Tentamos muitas ações legais. Depois de um tempo, um volume do tamanho deste auditório cheio de Bombos foi destruída em países como a Austrália. Mas havia empresas demais copiando e foi impossível impedir”.

Negócio da China As estatísticas confirmam a experiência de Giovanoni. China e Hong Kong fabricam a 65% das imitações do mundo – inclusive peças de design. Em 2012 foram 44,4 milhões de itens barrados antes de entrar nos países, segundo a Organização Mundial das Alfândegas.

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“A cópia de produtos e projetos foi amplamente utilizada pela China durante o início do seu desenvolvimento industrial”, explica Ana Brum, designer e diretora técnica no Centro Brasil Design. “Além do baixo custo de mão de obra, o acesso subsidiado a tecnologias de ponta permitiu aos chineses criar cópias tão fiéis quanto os produtos verdadeiros. Mas esses processos, mesmo negativos perante o mercado, permitiram que a indústria chinesa se aprimorasse. Hoje alguns dos melhores produtos fabricados no mundo estão na China”, acrescenta.

Existe um país onde alguns fabricante trilham um caminho oposto: a Itália. Fábricas de regiões como Toscana e Vêneto lucram criando réplicas de móveis icônicos produzidos alguns quilômetros a norte por marcas como Poltrona Frau e Flos. A associação de designers de luxo Altagamma estima que cerca de 1,7 bi de euros das cópias foram vendidas em 2013, segundo a agência de notícias Reuters.

Lei e ordem

Com tantas cifras milionárias, é fácil esquecer que o mercado das cópias é ilegal. A lei brasileira garante os direitos de propriedade ao autor de qualquer obra intelectual, ou seja, “criada pelo espírito humano com criatividade e orginalidade”, como explica o advogado Paulo Gomes de Oliveira Filho. Este texto, por exemplo, é automaticamente protegido.. Não precisa registrar, nem ser lá muito brilhante. Basta fazer. Reproduzi-lo sem autorização é crime – e o mesmo vale para móveis e acessórios para casa.

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“No campo dos móveis, há a proteção especifica do desenho industrial. Para tê-la plenamente, o desenho precisa ser registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)”, acrescenta Oliveira Filho. A lei presume que o primeiro a registrar é o titular do direito autoral.“O fato de o autor ter dificuldade financeiras ou desconhecimento acaba fazendo que, em alguns casos, o pirata tenha o direito garantido”.

As indústrias grandes se protegem. Entre os 20 maiores depositantes de desenhos no INPI estão Grendene, Samsung e Duratex, dona de marcas como Deca. Os dados são de 2013, levantados pelo Centro Brasil Design.

Mas como saber se um móvel foi plagiado? Para o direito brasileiro, é preciso que os elementos originais e diferenciadores de uma obra sejam reproduzidos. Assim, não importa se o Bombo foi fabricado com um tipo diferente de plástico ou ganhou novas cores. Reproduzir seu assento ergonômico é crime.

Mais fácil falar do que se defender. Processar um fabricante internacional pode demorar anos e ter custos proibitivos. Sem contar que alguns países têm leis favorecedoras das cópias. Na Austrália, por exemplo, só é permitido registrar produtos antes de eles serem lançados no mercado do país. Sem registro, podem ser livremente copiados. E demora apenas 10 anos para o direito de propriedade sobre o desenho industrial expirar.

Jeitinho brasileiro

Do lado de cá, o jeito é combinar processos na justiça com um pouco de manha. Assim, Gisele, da LinBrasil, manda notificações extrajudiciais para lojas que comercializam cópias de móveis de Sergio Rodrigues. Na prática, a carta funciona como prova de que a empresa entrou em contato e esclareceu que o lojista comete uma infração. “Ele precisa responder através de outro advogado. Quando procura o profissional, o lojista já é sangrado em uma grana. E pensa: será que vale mesmo à pena mexer com isso?”.

Sergio Matos, o designer do início dessa reportagem, ligou e bateu um papo com a arquiteta responsável pela cópia do pufe. Envergonhada, a colega afirmou que havia replicado o Carambola com base em uma foto encontrada na internet sem a indicação de nome ou fabricante. Substituiu o banco pelos originais e combinou de mandar a estrutura de aço das réplicas para o autor. Matos pretende destruir todas.

 

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