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O poder de contemplar a natureza

Perto da natureza, temos a chance de abrandar o fuxo mental, regular o relógio biológico e retomar o prumo.

Por Texto: Raphaela de Campos Mello
Atualizado em 14 dez 2016, 12h30 - Publicado em 10 dez 2013, 15h19

O bicho homem, aprendemos desde cedo, foi premiado na loteria da criação com o intelecto. Entretanto, a honraria, vez por outra, nos faz esquecer que também somos bichos, apenas um entre tantos fios com os quais a natureza tece sua teia. Felizmente, a mãe primordial chama os filhos à sua casa, como o colo, sempre aberta à visitação. Debruçados sobre campos, mares, montanhas ou lagos, sentimos com todos os poros que só ali teremos a chance de recobrar o viço, calibrar o relógio biológico, endireitar o mastro. É por isso que tanta gente se refaz do desgaste cotidiano nos braços da mãe terra. Segundo Peter Webb, agrônomo e permacultor australiano, radicado no Brasil há 27 anos e coordenador do Sítio Vida de Clara Luz, localizado em Itapevi, São Paulo, onde promove cursos e vivências de ecopsicologia, ao lado da psicóloga Bel Cesar, a alquimia desencadeada pelo dueto homem-natureza se inicia pela constatação de que, enquanto nos ambientes naturais todos os atores se tocam e se interpenetram de forma espontânea, no cenário urbano somos educados a viver de maneira arquitetada. Sem se dar conta, portamos máscaras artificialmente fabricadas como também emitimos sinais e gestos que, muitas vezes, pouco ou nada têm a dizer sobre quem realmente somos. “A natureza nos lembra que podemos nos desvencilhar de excessos e cobranças sem sentido e resgatar a simplicidade perdida. É por isso que ela tem esse potencial curativo”, opina ele. “Basta parar e contemplar”, acrescenta, mas logo remodela o pensamento: “Como muita gente tem dificuldade de sentar e relaxar, recomendo alguns gatilhos para facilitar a transição”. Quem nutre maior afinidade com a terra pode retirar os sapatos e pisar no solo, ou então, recostar-se no tronco de uma árvore. Os aquáticos podem se banhar; os adeptos do ar, oferecer o rosto ao vento; já os amantes do fogo, se aquecer pertinho das labaredas. “Ao refinar as sensações por meio da exploração dos quatro elementos, vemos brotar o entendimento que vem direto do coração, ou seja, que não passa pelo intelecto, pela análise”, explica. A fala do permacultor ecoa a voz de Alberto Caeiro, heterônimo do poeta português Fernando Pessoa, que não se distinguia da natureza amada. Por isso, dizia: “Não tenho filosofia, tenho sentidos”. Para Webb, esse estado de comunhão faz com que finquemos nosso ser no momento presente, fonte de paz e “adubo” para vivermos de forma mais criativa, cuidadosa para consigo mesmo e para com os outros e repleta de vitalidade. A neurociência tem tudo isso mapeado. De acordo com a neurocientista carioca Suzana Herculano-Houzel, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os períodos transcorridos na calmaria de paisagens selvagens como uma praia deserta permitem que a massa cinzenta – quase sempre fervilhante – experimente o sossego, um estado mental de relaxamento cognitivo, em contraste a estados de esforço mental constante, que são característicos das atividades diárias da vida moderna. A pesquisadora explica que, em ambientes naturais, sem edifícios, rodovias e congestionamentos, a mente é induzida a se voltar para dentro, dando folga ao aparato cerebral e, consequentemente, ao organismo como um todo. Nesses preciosos instantes, recebemos uma lufada de mansidão. Já quando perambulam pelos centros urbanos, os indivíduosveem sua atenção ser drenada pela baderna de estímulos forjados pelo homem. Logo, o cérebro projeta as antenas para fora e superaquece.

Na natureza, tudo se regenera. E, se seus filhos a abandonam, ela vai até eles. A construção dessa ponte está, muitas vezes, nas mãos de paisagistas como o paulista Marcelo Bellotto. “Nosso papel é levar a riqueza de cores, perfumes e sabores que encontramos nas plantas e frutas até lugares impensáveis como pequenos terraços de apartamento, jardins verticais ou cobertura verde de casas e prédios”, afirma. Intermediário de uma relação profundamente transformadora, ele enxerga no seu ofício muito mais do que estética ornamental. “Ao entrar em contato com a natureza, o homem interage consigo mesmo. Essa proximidade resgata o ritmo orgânico que perdemos na velocidade da vida urbana, equilibrando novamente nosso ‘relógio biológico’”, observa. Em seus projetos, aposta alto nos quatro elementos – terra, fogo, água e ar: “Eles aguçam os sentidos, embotados de tanta poluição visual, sonora e olfativa, aumentando nossa sensibilidade para uma vida mais simples e saudável”. Mais um a perpetuar o espírito de Alberto Caeiro.