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Moshe Safdie, o arquiteto por trás Habitat 67

“O Brasil precisa aceitar que os municípios têm a responsabilidade de regular o desenvolvimento urbano”, diz o israelense, famoso pela qualidade de vida em seus prédios

Por Por Nilbberth Silva
Atualizado em 19 jan 2017, 15h34 - Publicado em 10 jan 2013, 12h33
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Foi em 1967, quando os olhos do mundo estavam voltados para a Exposição Mundial de Montreal e pavilhões arrojados dos Estados Unidos e União Soviética disputavam a atenção dos turistas, numa inusitada batalha arquitetônica. Naquele ano, o edifício que atraiu mais olhares empolgados foi o Habitat 67, um conjunto de apartamentos construído pelo governo do Canadá e projetado pelo jovem Moshe Safdie, que era um jovem arquiteto de 28 anos.

No Habitat 67, todos os 158 apartamentos têm um jardim no teto, recebem luz direta do sol e tem vistas para a rua. Isso porque o prédio não tem nada a ver com uma torre de apartamentos. Em vez disso, parece um conjunto de pirâmides, cada uma composta por caixas de concreto encaixadas umas às outras. Uma usina no canteiro de obras permitiu pré-fabricar os apartamentos no local e depois montá-los com um guindaste, diminuindo os custos da construção.

Safdie projetou o Habitat em sua tese de mestrado, na qual investigou como construir edifícios nas grandes cidades capazes de abrigar muita gente em um terreno pequeno – e sem abrir mão de necessidades humanas básicas, como luz, contato com a natureza, convivência com os vizinhos, privacidade.

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Foi este projeto que transformou Safdie em um arquiteto-estrela, desses que projetam complexos hoteleiros e museus turísticos pelo mundo. A necessidade de criar espaços mais humanos nas grandes cidades orienta sua arquitetura desde 1967. Em visita ao Brasil, conversou com a reportagem do Casa.com.br sobre o tema. “Parte da resposta está em olhar para o passado”, diz. “Se fizer isso, verá que nas cidades, as pessoas construíam projetos individuais, mas cada projeto era uma contribuição para o espaço público”.

 

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Leia a entrevista completa com Moshe Safdie

Você tem projetos que respondem tanto à necessidade de fazer pessoas morarem em terrenos menores quanto à de melhorar a qualidade de vida. O que dá a seus projetos essas qualidades?

Quando eu desenhei o Habitat, tentei dar a cada casa ou apartamento um jardim a céu aberto. Em muitos projetos, tento criar a noção de que há jardins para todos – tanto literal quanto metaforicamente. Para a família individual e para a comunidade. Nós fractalizamos, quebramos, a superfície do prédio para criar muitas oportunidades para a natureza e os habitantes interagirem uns com os outros. Fazemos isso tanto nos espaços públicos, quanto nos diferentes andares dos prédios e no espaço privado. Além disso, você precisa projetar de uma maneira tal que o nível da rua seja cheio de vida. Significa providenciar as condições para isso. Ou seja, separar as torres de maneira que elas não sombreiem o espaço público no nível do chão. Isso faz parte da estratégia de criar espaço público que está entrelaçada aos meus projetos.

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Em sua opinião, o que torna as cidades em espaços mais humanizados?

Acho que parte da resposta está em olhar para o passado. Se fizer isso, vai ver que, nas cidades, as pessoas construíam projetos individuais, mas cada projeto era uma contribuição para o espaço público. Pense, por exemplo, na Piazza de San Marco [em Veneza]. Existe a Igreja, e então edifícios de um lado e de outro. As construções são bonitas, mas o principal é que eles criam um maravilhoso espaço público.

Hoje não temos esse mecanismo. Primeiro, a maioria dos edifícios que construímos são altos – é muito difícil criar espaços públicos nos prédios altos. E segundo, você precisa de uma ideia mais ampla do que é espaço público. A maioria dos projetos de hoje têm uma torre aqui, outra ali, com uma lojinha na base. Eles não criam um lugar.

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Eu crio espaços públicos maravilhosos nas cidades. Por exemplo, em Marina Bay Sands, em Singapura, construímos um 1 milhão de metros quadrados, três torres… poderia ter sido terrível. Mas fizemos prédios mais baixos; colocamos lojas junto à cultura. Unimos a natureza à água, ao passeio público e à paisagem. Então o Marina Bays se tornou um espaço multifacetado, como um espaço público deve, mesmo, ser. Penso que isso pode ser feito mais e mais em complexos de uso misto – se é que o objetivo é criar um espaço público maravilhoso.

Você veio para o Brasil em outras épocas. Notou mudanças nos edifícios e nas cidades? Você acha que estamos repetindo os erros de urbanização de outros países?

As cidades estão muito maiores. Você vem de avião e vê plantações de torres. Com certeza vocês estão repetindo os erros. Por exemplo, quando você anda por São Paulo, não percebe a mão do zoneamento, aquelas regras que dizem “aqui você pode construir alto; ali, baixo, aqui deveria construir edifícios abertos”. Então vê uma casa, depois uma torre, três casas, uma nova torre… Parece não haver lógica quanto a onde há densidade alta e densidade baixa.

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Mas quais soluções podem ser aplicadas para humanizar as grandes metrópoles em um país como o Brasil – que não é rico, nem tem uma indústria da construção muito avançada em termos tecnológicos?

Bem, a China tem um PIB per capita menor que o do Brasil. Mesmo assim, os chineses estão investindo enormes recursos em infraestrutura em trens de alta velocidade, transporte público, metrôs e trens urbanos. O Brasil deveria estar investindo em infraestrutura – e pesado.

Além disso, a China está começando a se reconciliar com o que chamamos “arquitetura da rédea” – todo tipo de leis quanto à luz natural, quanto a não posicionar os prédios de maneira a sombrearem um ao outro, quanto a trazer a luz para a cidade, todos os tipos de regulamentações e zoneamento.

O Brasil precisa aceitar que os municípios têm a responsabilidade de regular o desenvolvimento urbano. Se você não regular, obtém o caos. E você regula por meio do controle e por meio da infraestrutura – esta, a mais poderosa das regulamentações.

Ter crescido no Oriente Médio influenciou sua arquitetura?

Acho que inspirou minha arquitetura doméstica, residencial. Cresci em Israel, bem quando o Estado estava sendo formado. Então você via dois tipos de arquitetura ao seu redor: uma era a arquitetura tradicional, as vilas, as cidades antigas, os mercados, feitos principalmente de pedras. Outra era a arquitetura do início do modernismo, composta por exemplares do moderníssimo estilo Bauhaus, com prédios de cinco andares empilhados sobre pilotis, formas curvas e tudo mais. E, claro, havia o kibutz onde eu passava os verões – o espaço socialista, a organização idealizada da comunidade. Esses três ambientes tiveram uma grande influência sobre mim.

Mas hoje eu lido principalmente com o espaço público em meu trabalho. Isso exige que eu vá além das minhas memórias do lugar onde cresci. Ao fazer uma biblioteca, um museu ou o Instituto da Paz, tenho que usar um vocabulário muito mais rico de geometrias, formas e figuras.

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