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Crise hídrica em São Paulo: e agora?

Anunciada desde o início deste século, a crise hídrica no estado nos conta, a duras penas, que a água não é um recurso abundante e infinito. E agora?

Por Por Vera Kovacs
Atualizado em 14 dez 2016, 11h48 - Publicado em 12 jan 2015, 16h25
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“A região metropolitana de São Paulo vive hoje uma inegável situação de estresse hídrico. A diferença entre oferta e demanda de água já não se trata mais de uma equação de resultado confortável. Ao contrário, olhos aflitos em todos os setores acompanham com apreensão o desfecho desta história, que, a depender do empenho de seus personagens, pode ter um final trágico, com previsões de escassez crônica em 15 anos, segundo os mais pessimistas.” O texto publicado na edição de janeiro de 2002 da Saneas, revista da Associação dos Engenheiros da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (AESabesp)– empresa que controla o fluxo e o tratamento de água em 364 municípios –, mostra que os tais pessimistas estavam certos, e pior: a crise atual não é novidade.

Até o dia 17 de dezembro do ano passado, o nível do Sistema Cantareira estava na casa dos 7%, já somando duas cotas do volume morto (bombeamento de águas profundas). Já o Sistema Alto Tietê marcava 10,6%, também com reforço de represas adjacentes. Juntos, eles respondem pelo abastecimento de 11 milhões de habitantes. Outros 8 milhões se alimentam dos sistemas Guarapiranga, Alto Cotia, Rio Grande e Rio Claro, que contavam, respectivamente, com níveis de 35,9%, 30,3%, 65,2% e 28,1%.

O problema apontado lá atrás reforça a necessidade de cobrar das autoridades transparência na divulgação das informações sobre a real situação e as providências tomadas. Esse configura um dos pontos levantados pelo programa Aliança pela Água de São Paulo (aguasp.com.br), uma coalizão da sociedade civil representada por cerca de 30 organizações não governamentais. “O projeto sintetiza uma carta aberta ao governo do estado sugerindo metas de curto e longo prazo para a resolução do quadro”, explica a arquiteta Marussia Whately, coordenadora do programa e membro do Instituto Socioambiental(ISA). “Torna-se urgente garantir uma situação segura para enfrentar mais um período de estiagem a partir de abril. Porém, definimos como meta prioritária um novo modelo de gestão do recurso natural que garanta estabilidades social, econômica e ambiental aos moradores de São Paulo”, completa Marussia.  

“O sistema Cantareira entrou no cheque especial ao utilizar o volume morto”, Marussia Whately, arquiteta urbanista.

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Volume de água armazenado pelos principais sistemas

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Choverá o necessário? Não dá para prever o futuro, mas o governo e a Sabesp ressaltam, em suas manifestações públicas, a confiança de que as precipitações deste verão podem ajudar a recuperar os mananciais

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Não há como negar que o ano de 2014 foi de baixo índice pluviométrico. “Até o dia 11 de dezembro, caíram 825 mm, número 55% abaixo da média anual esperada de 1565 mm”, conta Celso Oliveira, meteorologista da Somar. E a previsão não é animadora. “Há indicativo de que a maior parte das ocorrências será de pancadas de chuva. Ou seja, mesmo forte, não terá a eficiência das chuvas constantes. Para aumentar o nível dos reservatórios, é preciso primeiro deixar o solo úmido. Teria de chover, talvez, mais do que o dobro. No entanto, as simulações não apontam para tal cenário”, completa Celso. A situação nada animadora gerou a troca de comando na Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos (SSRH) do estado. O governador, Geraldo Alckmin, anunciou a saída de Mauro Arce e a entrada de Benedito Braga, engenheiro hídrico e professor da Universidade de São Paulo (USP). Esse foi, inclusive, o motivo alegado pela assessoria de imprensa da SSRH para não responder à entrevista solicitada por ARQUITETURA & CONSTRUÇÃO. A Sabesp, por sua vez, enviou o comunicado: “Não existe racionamento, rodízio ou outra restrição de consumo de água nos 364 municípios operados pela Sabesp no estado de São Paulo”. A empresa reafirma suas ações para domar a crise com obras para 29 novos reservatórios, os quais aumentarão em 10% a capacidade de armazenamento na região metropolitana. Três já foram entregues, seis estavam prometidos para dezembro do ano passado, e os demais, para o decorrer de 2015.

“As precipitações em setembro e outubro de 2014 atingiram 60% do esperado. Foi o início de período úmido com menos chuva em, pelo menos, 12 anos”, Celso Oliveira, meteorologista.

 

Situação do saneamento básico

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Água tratada: solução para a crise. Especialistas em urbanismo exigem ações mais eficientes no setor de saneamento básico, como evitar as perdas e intensificar o tratamento do esgoto

A principal crítica da Aliança pela Água de São Paulo sobre os motivos que levaram o estado à situação tão grave está no modelo de gestão adotado. “A ideia do governo é sempre buscar mais reservas, investindo bilhões de reais em obras faraônicas. Sugerimos usar melhor o que temos recuperando os mananciais e despoluindo, por exemplo, os rios Tietê e Pinheiros”, pondera Marussia Whately. Defende a mesma opinião Antonio Eduardo Giansante, engenheiro hídrico e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie: “Devemos proteger nossas fontes e vencer o paradigma de trazê-las de longe, processo caro e difícil”. Antonio, antigo funcionário da Sabesp, concorda com o programa de diminuição de pressão adotado pela companhia. “Como a tubulação é antiga, a redução em momentos de menor fluxo evita seu rompimento e a perda do líquido por vazamentos”, explica. Já o arquiteto Gabriel Kogan, mestre em estudos de águas urbanas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-Institute for Water Education (Unesco-IHE), nos Países Baixos, lembra que as agências de saúde internacionais exigem pressão mínima dentro dos canos. “Caso contrário, uma trinca pode virar ponto de entrada de poluentes do lençol freático.” A Sabesp relata investimento de R$ 6 bilhões no Programa de Redução de Perdas de Água e Eficiência Energética, com troca de ligações domiciliares e hidrômetros, além da pesquisa e da correção de 150 mil km de rede. Como resultado, obtém-se um índice de perda física de 19,8% nos municípios atendidos pela companhia, inferior à média do estado de 30,3%.

“Em São Paulo, há uma política de esconder as águas sujas canalizando ou criando marginais a seu redor. Já a cidade de Singapura trata 100% de seu esgoto”, Gabriel Kogan, arquiteto.

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Crescimento da mancha urbana de São Paulo

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Recuperação dos mananciais. Outro item amplamente discutido na Aliança pela Água de São Paulo, o entorno das represas e dos rios perde vegetação e dá lugar a moradias clandestinas.

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Não há preconceito: casas populares e de alto padrão surgem da noite para o dia no entorno das represas, fechando o acesso entre as fontes de água e derrubando todo tipo de planta. Só no Sistema Cantareira, o levantamento feito pela equipe da Aliança pela Água de São Paulo mostrou que restam apenas 30% do verde, e que 50% das Áreas de Proteção Permanente (APPs) foram devastadas. A preocupação é tanta que nada menos do que seis dos dez itens levantados pela entidade considerados primordiais para a resolução da crise a médio e longo prazo tratam de desmatamento, casas clandestinas, ocupação dos mananciais, uso de áreas ambientais e despoluição. “O primeiro deles impacta o ciclo de produção e de qualidade da água. Rios e riachos alimentam a represa. Quando a chuva cai, é absorvida pelo solo permeável e arborizado. Se não há floresta, as gotas evaporam”, explica Marussia. Além desse problema, o esgoto, os agrotóxicos e fertilizantes para a agricultura aparecem como as principais fontes de degradação nessas regiões. “A menos que estejamos realmente vivendo uma catástrofe global repentina, que não parece ser o caso agora, a alteração nos padrões de chuva não atinge uma porcentagem capaz de secar vários reservatórios de um ano para o outro. Mais estudadas são as mudanças climáticas locais por causa de ocupação urbana desordenada. Isso é concreto e pode trazer efeitos radicais”, avalia Gabriel Kogan.  

“Num sobrevoo recente pela represa Guarapiranga, dava para ver os acessos de água sendo aterrados pelas construções”, Antonio Eduardo Giansante, engenheiro hídrico.

 

A diferença do consumo com parcimônia

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Fim do desperdício. Hora de fechar a torneira. Novos hábitos tendem a ser incorporados para sempre, seja pelo bem do meio ambiente, seja pela extraordinária diferença na conta.

A tabela acima impressiona, não? Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), uma pessoa precisa de 110 litros de água por dia para sobreviver, número bem próximo de quem usa o líquido com parcimônia como se vê no quadro. A prática vem sendo incorporada pela maioria da população da região metropolitana, que aderiu à campanha da Sabesp. Em novembro, 53% conseguiram uma queda de 20% ou mais no consumo em relação à média das contas entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 e ganharam bônus de 30%. Já 23% pouparam sem atingir a faixa de bônus, e os 24% restantes gastaram ainda mais. “Nossa missão é informar o cidadão de que maneira economizar. Pequenas ações fazem enorme diferença”, explica Gabriela Yamaguchi, gerente de comunicação do Instituto Akatu, ONG voltada ao consumo consciente. A entidade lançou a campanha #águapedeágua (aguapedeagua.org.br) com uma lista de boas atitudes. Dá para descobrir, por exemplo, que o pinga-pinga da torneira ao longo de um ano desperdiça 16 mil litros, volume equivalente a R$ 1 260 em seu boleto. Com a quantidade economizada por 12 torneiras com arejador, é possível encher uma piscina olímpica por ano (2,5 mil m³). Ah, e, enquanto espera esquentar seu chuveiro a gás, encha um balde para reciclar na lavadora ou no vaso sanitário: um minuto corresponde a 10 litros.

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