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Conheça a primeira casa a usar cobertura metálica no Brasil

Em Petrópolis, resiste a casa de Lota de Macedo Soares, uma das autoras do Aterro do Flamengo

Por Por Silvia Gomez | Fotos Leonardo Finotti
Atualizado em 22 nov 2022, 01h50 - Publicado em 17 jul 2013, 19h21

Entre árvores densas, em algum lugar de Petrópolis, uma casa sobrevive ao tempo, às chuvas, à neblina. Não é bem uma casa qualquer, tem nome: Samambaia. Construída entre 1951 e 1953, rendeu ao então jovem arquiteto carioca Sergio Bernardes (1919-2002) o prêmio da 2ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 1954, definido por um júri de ilustres como Alvar Aalto e Walter Gropius. Sua estrutura inovadora de metal testemunhou encontros fervilhantes e conversas inteligentíssimas dos muitos – e interessantes – amigos que visitavam sua proprietária, a arquiteta e paisagista autodidata Lota de Macedo Soares (1910-1967). Tratava-se de gente como Alexander Calder e Roberto Burle Marx.

Para o arquiteto e pesquisador Lauro Cavalcanti, diretor do Paço Imperial e professor da UERJ, a palavra que define casa Samambaia é radicalidade

Tampouco Lota era uma moça qualquer. Filha do jornalista José Eduardo de Macedo Soares, nasceu em Paris, estudou na Bélgica e era uma leitora “furiosa”, como costumava dizer. “Quando herdou da mãe a propriedade em Samambaia [bairro de Petrópolis] escolheu a parte mais próxima da mata. Começou a planejar uma construção ultramoderna no meio do ambiente rústico. Nem de acesso rodoviário dispunha. Era mato. Um dos atrevimentos típicos de Lota”, conta Carmen L. Oliveira, autora de Flores Raras e Banalíssimas, livro sobre o relacionamento entre a arquiteta e a poetisa americana Elizabeth Bishop que inspirou o filme Flores Raras, de Bruno Barreto, com estreia prometida para 16 de agosto. Pois imagine uma mulher, nos anos 50, tentando convencer os operários a erguer aquela morada com jeito de galpão, comandando implosões, supervisionando cada detalhe. “O telhado de grades entrecruzadas só foi terminado quando Lota explicou a eles que era para o Carnaval, dali a dois meses”, revela Carmen. Telhado, aliás, pioneiro: pela primeira vez no Brasil, uma cobertura metálica treliçada com telhas de alumínio ondulado era usada numa residência. E de onde viria essa ideia? “Quando Lota conheceu Sergio, ele finalizava o sanatório de Curicica, no Rio de Janeiro, dedicado a doentes de tuberculose. Ela ficou louca: queria um lar com aquela estrutura de pavilhão”, afirma a pesquisadora Kykah Bernardes, última esposa do arquiteto. Mais do que a estrutura, Lota desejava a mesma liberdade de espaços e a integração com o verde daquele projeto.

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“Na casa de Lota, tudo é para você estar dentro e fora. A casa é, e sempre será, um lugar de acerto visual, em que você faz o enquadramento da vista que o cerca”, declarou Sergio em depoimento ao arquiteto João Pedro Backheuser, em 1997. Os vidros que deixam a paisagem entrar vieram da Bélgica. Entre os outros materiais, estão tijolos e pedras – estas, do próprio terreno. “Com as desigualdades e os líquens naturais mantidos”, conta Carmen. Por dentro, planos organizam uma planta singular, fluida. Sobre isso, Sergio comentou: “Aparte da rampa: eu quero mudar um plano, mas quero ir no meu arrastapé. Então fiz uma rampa que vai de um ponto a outro e dá perspectivas diferentes”.

Nesse cenário, Elizabeth Bishop encontrou um lar, inventou poemas e ganhou o Prêmio Pulitzer, em 1956. “Quando ela visitou Samambaia, em 1951, a casa estava nas fundações. A despachada Lota resolveu alterar a ordem da construção, realizando primeiro uma acomodação para ela e sua amada. Fez ainda um estúdio para Bishop, lá embaixo, distante da folia da obra”, diz Carmen. As duas viveram ali até 1961, quando Lota foi nomeada pelo então governador, Carlos Lacerda, para a urbanização do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, parque pelo qual seu nome é lembrado até hoje. O tempo passou. Desde 1977, Samambaia pertence a uma empresária carioca, cuidadosa em preservar sua elegância. “Quando a encontrei, senti que era algo que eu havia procurado toda a vida”, revela.

No final dos anos 90, Sergio Bernardes voltou lá, acompanhado de Kykah. “Foi como se ele estivesse vendo o projeto pela primeira vez: ‘Olha este detalhe, que joia aquela solução’. E se lembrava de Lota com carinho: ‘Minha amiga’, ele repetia”, diz Kykah. A casa, por si, é uma prova: não nasceu de uma amizade qualquer.

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