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Como e por que evitar o desperdício de comida

É um urgente agir para que um terço da comida produzida no mundo deixe de ir para o lixo. 

Por Texto Kátia Stringueto | Design Didi Cunha
Atualizado em 20 dez 2016, 18h27 - Publicado em 25 jul 2013, 18h44
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Os brasileiros desperdiçam comida. Muita comida. Metade de tudo que é produzido. Estados Unidos, Europa, países ricos em geral, não ficam muito atrás. Nem os mais pobres. Na média mundial, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um terço dos alimentos se perde. A diferença é que, nos países pobres, o problema acontece no início da cadeia produtiva, por falta de tecnologia e dificuldades no armazenamento e no transporte. Já nos países ricos, a situação se agrava nos supermercados e na casa do consumidor, acostumado a comprar mais do que precisa. “O Brasil sofre nas duas pontas, porque tem tanto aspectos de países ricos quanto de países pobres. Daí a perda ser maior. Ocorre desde a colheita, passando pelo manuseio, transporte, central de abastecimento, indústria, supermercado e consumidor”, detalha Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu – Pelo Consumo Consciente.

Dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) contabilizam em 10% o desperdício das frutas e hortaliças ainda no campo e indicam que a maior perda está no transporte: 50%. Mas, se o alimento chega machucado, aí é motivo de mais descarte. No Brasil, 58% do lixo é de comida. “O planeta produz o suficiente para alimentar 12 bilhões de pessoas, mas quase 900 milhões vivem em insegurança alimentar – comem num dia e no outro não. Como acabar com isso? Reduzindo o desperdício”, defende o presidente do Akatu. “Se metade do que é perdido deixasse de ser, teríamos o dobro de alimento nas gôndolas e o preço cairia. E mais pessoas teriam acesso.”

Os números são eloquentes e escandalosos, embora fiquem camuflados por causa de velhos hábitos de consumo. Nacionalmente, fazem parte desse desperdício, por exemplo, um volume de talos e cascas que não são usados (e poderiam ser), folhas e frutas machucadas e sobras de pão, café, arroz e feijão.

Há uma gênese cultural para tanto. “O brasileiro sempre teve mesa farta pelo fato de viver num país tropical, onde tudo dá. E não está acostumado a aproveitar integralmente o alimento. Veja se em Portugal se jogam fora as vísceras do porco? Ou a cabeça do bacalhau?”, protesta Carlos Dória, do Centro de Cultura Culinária Câmara Cascudo, em São Paulo. O estudioso da alimentação se lembra dos peixes e caramujos desprezados no Ceagesp simplesmente por falta de mercado – a população não os considera comestíveis. “O chef Alex Atala fez um menu interessante com esse ‘refugo’ e provou que o menosprezo é fruto de muito preconceito na cozinha”, diz. Ou seja, dá para avançar mais em busca do equilíbrio dessa balança. O Instituto Akatu oferece até um incentivo econômico. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os pesquisadores da ONG fizeram a seguinte conta: uma família média brasileira gasta 478 reais mensais para comprar comida. Se o desperdício de 20% de alimentos deixasse de existir em casa, 90 reais deixariam de ir para o ralo. Guardando esses 90 reais todos os meses, depois de 70 anos (expectativa média de vida) a família teria uma poupança de 1,1 milhão de reais.

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“Precisamos planejar melhor o cardápio, só comprar o necessário, não nos deixar levar pelas ofertas, cozinhar integralmente os alimentos. E ter uma nutrição adequada. O sobrepeso é outra forma de desperdício”, aponta Mattar. De acordo com o Ministério da Saúde, 50% da população nacional está acima do peso. Nos EUA, 70%.

Pegada de Carbono

“Reduzir em 30% o desperdício significa ainda diminuir em 30% o uso de terra, de fertilizantes, de agrotóxicos e de sementes”, diz Ricardo Abramovay, professor titular do departamento de economia da Universidade de São Paulo. Em abril, o primeio estudo da FAO sob a perspectiva ambiental revelou que tanto descarte é uma oportunidade que se perde não apenas do ponto de vista da segurança alimentar de mais pessoas como também para mitigar o impacto ambiental. A saber: a pegada de carbono dos alimentos produzidos e não consumidos no mundo é estimada em 3,3 gigatoneladas de dióxido de carbono (cada gigatonelada equivale a 1 bilhão de toneladas). Número que coloca esse desperdício em terceiro lugar entre os maiores emissores de CO2 do planeta, atrás apenas de Estados Unidos e China. Mundialmente, o volume de água que se perde fora quando se desperdiça um alimento pronto atinge 250 quilômetros cúbicos, o que corresponde à descarga anual de água do Rio Volga, o mais longo da Europa.

Em nível público e privado

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Se a postura do Estado em relação ao desperdício de alimentos deixa muito a desejar, ONGs e consumidores estão ávidos para fazer sua parte. No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, quando a equipe de nutrição e gastronomia percebeu que 110 quilos de alimentos eram jogados fora por refeição como resultado da sobra no prato dos funcionários, deu início a uma campanha de conscientização. De fevereiro a outubro de 2012, distribuiu cupons de sorteios aos empregados que entregavam a bandeja vazia – e conseguiram baixar o nível de resíduos para 50 quilos.

No cardápio do restaurante Girarrosto, de São Paulo, o logotipo de duas carinhas se encontrando e compartilhando um sorriso chama a atenção. A quem se interessa, o garçom explica que o prato indicado é servido na porção “Satisfeito”, que compreende dois terços da original. Bom para quem não tem muita fome e fica incomodado de deixar comida no prato. Bom porque esse um terço de comida poupado reverte em benefício de ONGs de combate à fome infantil (o cliente paga o preço integral do pedido e o restaurante repassa de 5 a 10% do valor do prato). “As pessoas acham pertinente e gostam muito”, diz o gerente Roque Corrêa, que percebe um efeito adicional do Satisfeito. “Acendeu uma luz para a nossa equipe e para o cliente. É uma mudança de cultura à mesa e todos vão pensar mais a respeito dentro de casa.”

“A ideia da porção menor nasceu dessa discrepância entre fome e desperdício”, explica Luiza Esteves, coordenadora do projeto, idealizado por Marcos Nisti, vicepresidente do Instituto Alana, voltado para o desenvolvimento infantil saudável. Passados seis meses, são 14 restaurantes parceiros. Por enquanto, todos em São Paulo. Na ponta final, o Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren) é uma das três ONGs beneficiadas – há também o Banco de Alimentos e a Seeds of Light, que atua na África. No primeiro mês da iniciativa, o Cren recebeu 662 reais, valor que já enriqueceu o cotidiano das 142 crianças atendidas. “A verba está sendo destinada à compra de alimentos além da cesta básica, como o peixe, que passou a constar do cardápio semanal”, informa Lucas Oliveira, coordenador de relacionamento. O dinheiro também permite variar legumes e frutas e educar nutricionalmente as crianças.

Como uma coisa puxa a outra e 65,3% dos brasileiros fazem alguma refeição fora durante o dia, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) viu nos donos de restaurantes e chefs um grande potencial de multiplicar a gastronomia sustentável. Criou uma cartilha de cinco hábitos para uma cozinha eficiente, com alimentos sazonais, que apoie o pequeno produtor e ofereça menos carne. “Quando reduzimos o consumo de carne, naturalmente incentivamos as pessoas a se abrirem para novos sabores”, diz João Paulo Amaral, gestor ambiental do Idec. Gente legal já entendeu que tem poder de decisão. E começa a fazer diferente.

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