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Cerejeiras: admire a beleza e a magia efêmera de suas flores

Para saudar a chegada da primavera, nem mesmo a nudez dos galhos secos do inverno intimidam a flor de cerejeira

Por Texto Patricia Bernal | Direção de arte Camilla Frisoni Sola | Design Luciana Giammarino
Atualizado em 29 nov 2022, 01h02 - Publicado em 2 ago 2012, 18h40

Todos os anos, entre o final de março e de abril, pequeninas flores de cerejeiras sorriem para o povo japonês: é hora de louvar sua chegada com a nova estação. Como a visita será breve, famílias e pessoas de todas as idades se preparam antecipadamente para as festas em sua homenagem. A atenção se volta aos jornais e emissoras de TV e rádio, que divulgam com entusiasmo detalhes sobre as floradas e suas localidades.

O festival das cerejeiras no Japão

O auge se inicia ao sul, na ilha de Okinawa, passando então pela região central, onde fica a capital, Tóquio, e faz seu desfecho ao norte, na província de Hokaido. Durante esse período, japoneses deixam de lado suas atividades diárias e se aglomeram em parques, onde fazem piqueniques debaixo do céu de flores, passeios de barco nos rios que cortam os bosques ou simplesmente permanecem em um ócio contemplativo, conhecido como Hanami – apreciação das flores.

Esse rito secular surgiu nos jardins do palácio imperial, na província de Kyoto, situada ao sul do Japão, e foi se espalhando pelo país. “Nessa época, por volta do século 8, a região acabara de se tornar a capital do Japão, acolhendo aristocratas e a família imperial”, explica Koichi Mori, antropólogo e coordenador do Centro de Estudos Japoneses, da Universidade de São Paulo (USP). O Hanami, evento que nasceu entre os muros palacianos, perdura até hoje.

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Além de Kyoto, que atualmente se orgulha de seus mil pés de cerejeiras, cidades próximas e históricas, como Nara, outra ex-capital, e Yoshino também ostentam árvores dessa família. Essas regiões atraem principalmente puristas, estudiosos e profundos admiradores, que preferem a atmosfera serena e nostálgica que predomina por lá para vivenciar o Hanami.

O apelo da tranquilidade não se repete em Tóquio. Ali, o evento ocorre no Parque Ueno, em meio ao frenesi da metrópole. As pessoas esprememse em filas muito bem ordenadas, como em uma procissão. Há quem chegue a pernoitar perto do parque para conseguir se aproximar das árvores a tempo de vivenciar a mágica da floração, conquistando um lugar privilegiado sob a copa. Trens e metrôs que se dirigem ao local ficam lotados. O intenso movimento faz a alegria dos ambulantes, que nessa época lucram bastante com a venda de todo tipo de mercadoria, sobretudo alimentos. À noite, a festa continua e se ilumina para que se possa aproveitar intensamente a beleza efêmera da floração.

A fábula das cerejeiras nos Estados Unidos

Diz uma fábula que, quando jovem, George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos, ganhou um machado e saiu cortando galhos e tirando lascas das árvores da fazenda em que vivia. Uma delas, uma bela cerejeira plantada por seu pai, na parte mais alta do pomar, cruzou o caminho do rapaz. como o tronco era macio e fácil de quebrar, já aos primeiros golpes ele derrubou a majestosa árvore. Ele assumiu o erro e foi perdoado pelo pai.

A história ilustra a fragilidade da planta, que continua presente na capital americana e hoje brota nos jardins da casa Branca e nas margens do lago tidal Basin, no West Potomac Park, em Washington. Nesse local é possível apreciar o show das cerejeiras graças a um generoso gesto de amizade do Japão: em 1912, o país doou aos americanos 3 mil mudas, que foram plantadas no famoso parque da capital. Em 1965, outras 4 mil chegaram a esse jardim.

Desde 1935, o parque abriga o National Cherry Blossom Festival, evento que dura quatro semanas e conta com muita música, exposições, feiras e outras atividades que estimulam os laços de amizade entre a comunidade local e os japoneses.

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Os símbolos de uma flor que fez história

Símbolo da felicidade, a flor de cerejeira, ou sakurá, como é conhecida no Japão, integra crenças religiosas a tradições familiares. Em casamentos ou ocasiões festivas, por exemplo, muitas famílias usam suas pétalas para fazer chás e atrair boa sorte. Ou então se deliciam com o sakuramochi, doce de feijão feito com a folha de cerejeira temperada com sal. O Hanami também é entendido como uma forma de purificar a alma e aliviar o espírito de quem sofre.

A singela flor serve ainda de inspiração às mais diversas formas de arte, como a moda, a música, a pintura e até os mangás, famosos quadrinhos japoneses. Mas ela também tem seu lado trágico. Segundo Célia Sakurai, autora do livro Os Japoneses (Editora Contexto), no popular teatro japonês Kabuki, cujos atores dançam e cantam com dramaticidade tendo o rosto coberto por uma maquiagem altamente expressiva, quando surge um cenário com pétalas de sakurá é sinal de que um vilão está em vias de agir ou de que uma tragédia se anuncia. A associação se explica: a flor simboliza uma natureza transitória e desde o século 8 está ligada aos samurais, cuja vida era igualmente efêmera. “Esses guerreiros saíam para as batalhas prontos a sacrificar a vida, dedicada aos senhores feudais, que dominavam o país naqueles tempos”, explica Tokuyoshi Ueda, vice-presidente da Associação das Cerejeiras do Parque do Carmo, de São Paulo.

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Como os japoneses cultivam a cerejeira no Brasil

Para amenizar a saudade da terra natal, os imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil no início do século passado trouxeram centenas de variedades de mudas de cerejeira. As tentativas de cultivo em diferentes tipos de solo foram frustradas por causa do calor comum nas terras brasileiras, que não favorece o  desenvolvimento da espécie, afeita a baixas temperaturas. Tempos depois, por volta da década de 70, uma variedade híbrida finalmente se aclimatou e espalhou árvores por várias cidades brasileiras, especialmente no estado de São Paulo.

No Brasil, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos e no Japão, a floração ocorre entre julho e setembro, por causa das condições climáticas – nosso inverno, mais quente, tem temperaturas próximas à primavera naqueles países. É também por esse motivo que poucas variedades de cerejeira conseguiram se desenvolver por aqui. Apenas espécies como Himalaia, Yukiwari e Okinawa se adaptaram bem no país, pois vêm de regiões do Japão em que dominam características climáticas semelhantes às de certas partes do Brasil. Vale lembrar que há mais de 200 espécies de cerejeira no Japão, diferenciadas pelo tom das flores – que vai do vermelho ao branco, passando por pêssego e rosa – e pelo formato e quantidades de pétalas.

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O segredo das cerejeiras no Ibirapuera

Dentre a bela paisagem do parque do Ibirapuera, um dos pontos turísticos mais visitados de São Paulo, abrigam-se cerejeiras que, muitas vezes, passam despercebidas pelos visitantes. Quem caminha em direção ao jardim do pavilhão Japonês, avista o Bosque das Cerejeiras, com cerca de 50 pés. Já dentro do jardim, onde há 12 mudas, chama a atenção a pedra que simboliza os laços entre Brasil e Japão.

“Para selar a união do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, feito em 1895 entre os dois países, em 1995, 100 anos depois, plantaram-se em lados opostos da pedra uma cerejeira e um ipê-amarelo, árvore-símbolo do Brasil”, conta Eduardo Goo Nakashima, secretário-geral administrativo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, que administra o lugar.

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Para os mais atentos – e com alguma sorte –, é possível presenciar um momento raro, quando ambas as árvores florescem ao mesmo tempo, o que pode ocorrer entre o final de julho e o início de agosto. Também em São paulo, no parque do Carmo, em Itaquera, está o maior número de cerejeiras plantadas no Brasil – 4 mil mudas. Todos os anos, em meados de agosto, ocorre uma festa para celebrar a florada, com apresentações de dança e música oriental, além das comidinhas típicas.

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