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Intervenções ao longo do Rio Pinheiros integram margens à cidade

Sem esperar a despoluição, intervenções ao longo do Rio Pinheiros abraçam, desde já, alguns preciosos quilômetros da malha hidrográfica que não foram soterrados na cidade. As obras tentam trazer a presença humana de volta às margens e lembram: rios são aliados, e não inimigos da qualidade de vida urbana

Por Por Luisa Cella
Atualizado em 20 dez 2016, 15h28 - Publicado em 7 ago 2014, 22h51

A foto ao lado consegue desorientar qualquer paulistano. Afinal, décadas correram desde o tempo em que cenas como esta eram comuns. Não fossem bonecos, os atletas se veriam expostos a males como hepatite, diarreia, febre tifoide, cólera, amebíase, giardíase, esquistossomose e leptospirose, entre outros, conforme garantem especialistas. “A ideia se mostra tão absurda que não dá nem para considerar. Eles estariam suscetíveis a diversos tipos de doença de veiculação hídrica. É esgoto bruto”, diz René Schneider, professor do departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Foi justamente daí que surgiu a inspiração para o trabalho do artista plástico Eduardo Srur, em 2006. Os bonecos e caiaques, que boiavam e encalhavam em ilhas de entulho ao longo do Rio Pinheiros, atraíram olhares ao leito esquecido e encravado numa cidade cujo processo de desenvolvimento deu as costas a suas águas. Da rede hidrográfica altamente canalizada, os cursos que resistem ao ar livre nos dias de hoje são, invariavelmente, confundidos com esgoto ou vistos como um problema pela população, associados a enchentes, mau cheiro e acúmulo de mosquitos. No caso crônico do Pinheiros, encerrou-se recentemente mais uma tentativa frustrada do poder público de despoluí-lo. Já que a técnica química conhecida como fotação (separação de partículas) não resultou em boas notícias, iniciativas diversas, implantadas durante as últimas décadas, provam que a revitalização já está acontecendo.

“O rio não está morto”, indigna-se o geógrafo Luiz de Campos Jr. quando escuta tal afrmação durante uma entrevista. “Podem alterar, canalizar e retificar seu curso, porém matá-lo é tarefa praticamente impossível”, defende. Há quatro anos, ele lançou com o arquiteto José Bueno a iniciativa Rios e Ruas, que busca mapear a bacia hidrográfica da cidade e conscientizar a população sobre a importância dela. No Pinheiros, a descaracterização começou por volta de 1928, com o início da construção da Represa de Guarapiranga, e passou por outro momento determinante em 1970, época da inauguração da via marginal. As matas ciliares e a vegetação natural minguaram até zero em vários trechos urbanos, contudo um comparativo entre a paisagem do fnal da década de 90 e a dos dias de hoje comprova: houve expressiva melhora, ao menos no que diz respeito à condição das margens. Como grande responsável, destaca-se o Projeto Pomar (atualmente, Pomar Urbano), lançado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA) em 1999. Estima-se que tenham sido plantadas mais de 300 mil mudas ao longo de 26 km dos canteiros esquerdo e direito. As cerca de 250 espécies, entre árvores, arbustos e forrações, atraíram a fauna de volta ao local.

Explorar o desenho das águas é solução estratégica quando se planeja a mobilidade, já que, topograficamente, os caminhos da bacia hidrográfica tendem a ser mais planos e contínuos. Em São Paulo, porém, o modelo rodoviário levou à canalização maciça dos leitos. O Pinheiros teve margens e áreas de várzea cimentadas para a chegada das marginais. Além de impermeabilizar o solo, a obra afastou ainda mais as pessoas do rio. A maior proximidade só acontecia quando se estava dentro de um vagão da linha 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) ou dos veículos de passagem. O cenário seguiu assim por mais de quatro décadas, até a inauguração da ciclovia na margem leste, em 2010, pelo então governador José Serra. “Pressionamos o poder público para criá-la desde a década de 80. Em 1988, o arquiteto Pedro Taddei, professor da USP, já propunha sua implantação para treino dos alunos da universidade. Outros arquitetos, como Sérgio Luiz Bianco, também batalhavam pela causa”, diz a cicloativista e jornalista Renata Falzoni. Contando os 21,50 km dessa pista, a metrópole soma, hoje, tímidos 60 km de ciclovias dispersas. Investir nesse modo de deslocamento não só oferece uma alternativa ao trânsito carregado das grandes avenidas como também reaproxima os moradores das águas. “As pessoas enxergam os rios como parte isolada, e não integrada. Não entendem a topografa da cidade porque perderam a noção de escala humana. Quem se locomove com a própria energia vê as ruas de forma diferente daqueles que se movem com o petróleo”, afrma Renata.

Em dezembro de 2013, a ciclovia do Rio Pinheiros ganhou um novo trecho com a inauguração da passarela construída sobre o canal de Guarapiranga, na zona sul da capital. Uma parceria público- privada tirou do papel o projeto de ponte móvel para ciclistas e pedestres, capaz de conectar os bairros de Capela do Socorro e Jardim São Luiz à estação Santo Amaro da CPTM, no lado oposto do leito. Interessada em fnanciar a obra – inclusive porque ela facilitaria o acesso de seus funcionários à sede da empresa –, a Bayer custeou a ideia estimada em R$ 5 milhões, assinada pelos profssionais do escritório Loeb Capote Arquitetura. “Nós nos preocupamos em não fazer a ponte alta, já que rampas muito acentuadas tornariam difícil a travessia, além de agredir a paisagem”, fala o arquiteto Luis Capote. Como a altura é de apenas 2,50 m em relação ao nível do rio, criou-se uma estrutura móvel, rotacional, que permite a passagem de embarcações. “A região era muito isolada, com acesso somente de carro. Agora, está ligada ao trem, e é possível chegar a pé ou de bicicleta.” Inspirados no formato da vitória- -régia, os canteiros centrais receberam jardins elaborados pela empresa SkyGarden com espécies nativas.

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Se as intervenções apresentadas nas páginas anteriores envolvem questões socioambientais e mobilidade, essa trata de outro não menos importante tema associado à qualidade de vida: o lazer. Uma praça colada no rio, nas marginais e em dois viadutos, poderia soar como ideia fracassada. Mas o projeto do arquiteto Mauro Munhoz provou o contrário. Ainda existia solução para aquela área erma de passagem situada ao lado das pontes Eusébio Matoso e Bernardo Goldfarb. Foram quatro meses de reforma até a inauguração da Praça Oliveira Penteado, em maio deste ano. “O primeiro problema era resolver a sensação causada pelo tráfego em alta velocidade nas vias. Ninguém conseguiria relaxar ali”, conta Mauro, que dirige a Casa Azul, a organização da sociedade civil de interesse público autora da solução, viabilizada por uma parceria público-privada. Para isso, ergueu-se um talude coberto de vegetação no entorno do terreno, o qual funciona como barreira acústica e visual. O paisagismo de Raul Pereira plantou 74 mudas de espécies nativas da Mata Atlântica. Segundo Mauro, a proposta tem, ainda, sua segunda etapa – um caminho para pedestres ligará a praça ao outro lado do rio (desenho acima). “Temos recursos para fazer de São Paulo uma cidade humana e qualificada.”

 

 

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